Caracterização Espacial, Temporal e Evolutiva das Infecções por HIV e HPV no Espírito Santo: Integração de Métodos Epidemiológicos e Filodinâmicos
Resumo: A filogenética molecular é uma ferramenta essencial para o estudo dos processos evolutivos por meio da análise de sequências moleculares. Em epidemiologia e virologia, essa abordagem tem se destacado na identificação da origem, transmissão e diversidade de vírus de rápida evolução(1). Esses vírus permitem a reconstrução detalhada de suas histórias evolutivas em escalas temporais observáveis. A crescente disponibilidade de dados nucleotídicos em bancos públicos, tem impulsionado o uso da filogenética para investigar a interação entre processos epidemiológicos, imunológicos e evolutivos que moldam a filogenia viral, um campo conhecido como filodinâmica. A filogenética também auxilia no monitoramento de variantes resistentes a antivirais, desenvolvimento de vacinas e controle de epidemias (24).
A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) é uma das doenças infecciosas mais impactantes. Em 2023, cerca de 1,3 milhão de pessoas foram infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), totalizando 39,9 milhões de pessoas vivendo com HIV globalmente (unaids.org). No Brasil, aproximadamente 780 mil indivíduos vivem com HIV, e a incidência anual é de cerca de 20 casos por 100 mil habitantes. A região Sudeste concentra 41% dos casos notificados, com cerca de 15 mil registros em 2022. No Espírito Santo, houve apenas 700 notificações em 2022 (4,6% dos casos da região). No entanto, a taxa de detecção estadual (18,1 casos/100 mil habitantes) supera as médias regional (15,0/100 mil) e nacional (17,1/100 mil). Essa situação é agravada pelas altas taxas de detecção entre crianças menores de cinco anos, sugerindo transmissão vertical significativa, além de elevados índices de mortalidade (5).
O HIV pertence ao gênero Lentivirus (família Retroviridae) e possui um genoma de RNA de cerca de 10 Kb composto por nove genes (6). O grupo M do HIV-1 é o mais prevalente (7) e possui nove subtipos (A-D, F-H, J, K) e formas recombinantes (8). No Brasil, predominam os subtipos B (70-90%), F1 (5-20%) e C (1-10%) (9). A diversidade molecular do HIV-1 no Espírito Santo ainda é pouco conhecida (10), portanto, investigar a diversidade e o fluxo de variantes no estado é crucial para identificar redes de transmissão e compreender a dinâmica da epidemia local.
Por outro lado, infecções pelo Papilomavírus Humano (HPV) desempenham papel importante na etiologia de diversas formas de câncer, sendo responsável por 5% dos casos globais e a infecção sexualmente transmissível mais prevalente no mundo, afetando 11,7% da população (11). Embora a maioria das infecções desapareça em dois anos, os tipos de alto risco podem levar ao desenvolvimento de câncer cervical, anal, peniano e de orofaringe (11).
O câncer cervical é o terceiro mais frequente entre as mulheres brasileiras e a quarta causa de morte por câncer no país. Para o triênio 2023-2025, estima-se uma média anual de 17.010 novos casos, com uma taxa de 15,38 por 100 mil mulheres. Em 2020, foram registradas 6.627 mortes, resultando em uma taxa de mortalidade de 5,33 por 100 mil mulheres (12). No Espírito Santo, as previsões para 2023 indicavam 260 novos casos (12,43/100 mil mulheres), mas 559 casos foram registrados, um aumento de 115%. Em 2022, a taxa de mortalidade foi de 5,2 por 100 mil mulheres, a maior da região Sudeste. Diferenças regionais são significativas: em 2022, a região central teve a maior taxa (5,88), enquanto em 2021, a maior taxa foi na região sul (7,29). Municípios como Alto Rio Novo apresentaram índices alarmantes (24,16/100 mil mulheres).
Os tipos de HPV relevantes pertencem ao gênero Alphapapillomavirus (família Papillomaviridae) e incluem espécies como A5 (HPV51), A6 (HPV56), A7 (HPV18, 39, 45, 59) e A9 (HPV16, 31, 33, 35, 52, 58) (13,14). A variação genética entre os tipos pode afetar o risco de câncer cervical. A carcinogênese envolve a integração do DNA viral no genoma hospedeiro e a expressão das proteínas oncogênicas E6 e E7, que inativam os reguladores tumorais p53 e pRB, respectivamente, promovendo a transformação maligna. O estudo POP-Brasil revelou que 53,6% dos jovens de 16 a 25 anos possuem HPV, sendo 35,2% infectados por genótipos de alto risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68). Fatores como início precoce da vida sexual (15,2 anos) e baixo uso de preservativos (50,7%) contribuem para a disseminação da infecção (15).
Embora a vacina quadrivalente contra os tipos 6, 11, 16 e 18 esteja disponível no Programa Nacional de Vacinação desde 2014, a cobertura vacinal no Brasil ainda é baixa. Esse cenário, somado à falta de dados sobre os tipos de HPV circulantes no Espírito Santo, destaca a necessidade de pesquisas epidemiológicas e moleculares para embasar políticas públicas eficazes no combate ao câncer relacionado ao HPV.
Neste contexto, o projeto propõe a realização de estudos evolutivos e filodinâmicos focados na disseminação do HIV e dos principais tipos de HPV em circulação no estado do Espírito Santo. A abordagem filodinâmica, ao integrar dados genéticos e epidemiológicos, permitirá uma compreensão mais profunda sobre a variabilidade genética dos vírus, seus padrões de evolução ao longo do tempo e as dinâmicas das redes de transmissão, considerando diferentes contextos geográficos, sociais e demográficos. Espera-se que a caracterização da diversidade genética do HIV e do HPV, assim como a reconstrução das cadeias de transmissão, forneça insights cruciais sobre os fatores que influenciam a propagação desses vírus na região. Isso contribuirá para a identificação de áreas e populações mais vulneráveis e a detecção precoce de novas variantes. Além disso, os resultados gerados por este estudo poderão subsidiar a elaboração de políticas públicas mais precisas e direcionadas, que contemplem desde estratégias de prevenção, como campanhas de conscientização e vacinação, até medidas de diagnóstico e controle específicas, ajustadas às características epidemiológicas do Espírito Santo. A adaptação dessas estratégias, com base nas evidências geradas pelo estudo, será fundamental para fortalecer a resposta local às infecções por HIV e HPV, promovendo uma abordagem mais eficaz e sustentável no controle e na prevenção dessas doenças no estado.
Data de início: 01/06/2025
Prazo (meses): 36
Participantes:
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Coordenador | EDSON OLIVEIRA DELATORRE |