Avaliação clínica e tomográfica da região rinomaxilar em pessoas afetadas pela hanseníase
Nome: RACHEL BERTOLANI DO ESPIRITO SANTO
Tipo: Tese de doutorado
Data de publicação: 06/10/2022
Orientador:
Nome | Papel |
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PATRÍCIA DUARTE DEPS | Orientador |
Banca:
Nome | Papel |
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BERNARDO FARIA RAMOS | Examinador Externo |
CARLOS GRAEFF TEIXEIRA | Examinador Interno |
CIRO MARTINS GOMES | Examinador Externo |
MOISES PALACI | Examinador Interno |
PATRÍCIA DUARTE DEPS | Orientador |
Resumo: Contexto: A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, de evolução crônica e que contabiliza mais de 200 mil novos casos por ano em todo o mundo, sendo mais frequente em países em desenvolvimento, como Índia, Brasil e Indonésia.
Deformidades esqueléticas faciais e de extremidades são marcadores históricos e parte do estigma dessa doença. Todavia, os mecanismos de base da lesão óssea induzida pela hanseníase não são completamente conhecidos, embora se saiba que lesões nas mucosas nasal e oral são o ponto de partida para o desenvolvimento e progressão das alterações ósseas faciais. O termo Facies leprosa, cunhado em 1952 por Møller-Christensen, autor dos primeiros estudos da paleopatologia sobre a hanseníase, denominava um conjunto de alterações no esqueleto facial, sendo, contudo, substituído por síndrome rinomaxilar (SRM), como propuseram Andersen e Manchester (1992), os quais sistematizaram tais alterações em sete critérios.
Segundo a paleopatologia, a deformação facial como sequela da hanseníase é
causada não apenas pelo nariz em sela, mas também pela regressão da maxila. Objetivo: Com base nisso, este estudo objetivou avaliar as alterações clínicas e ósseas da região rinomaxilar em pessoas afetadas pela hanseníase através de exame físico e imagens tomográficas. Métodos: Em um estudo transversal analítico, foram avaliados 3 grupos de participantes, sendo 2 com casos (Grupo 1: 16 participantes com mais de 35 anos de diágnóstico de hanseníase, tratados; Grupo 2: 21 participantes com menos de 15 anos de diágnóstico de hanseníase, tratados ou em tratamento) e 1 com controles (Grupo 3: 37 participantes sem diágnóstico de hanseníase). Nos casos, procedeu-se à avaliação otorrinolaringológica com rinoscopia e oroscopia, além de avaliação clínica do perfil facial (esta, exclusivamente no Grupo 1). Os participantes-casos e controles passaram por avaliação de exame de
tomografia computadorizada dos ossos da face. A partir dos critérios da SRM
paleopatológica de Andersen e Manchester (1992), foram estabelecidos os critérios tomográficos para definição da SRM radiológica (SRMr). A avaliação do perfil facial por meio de fotos dos participantes afetados pela hanseníase permitiu a descrição da SRM clínica (SRMc). Resultados: Dos 16 participantes do Grupo 1, 4 preencheram totalmente os critérios para SRMr, todos com alterações faciais substanciais que preencheram os critérios para SRMc, enquanto outros 4 tinham SRMr parcial e não atenderam aos critérios de SRMc. Todos os casos com SRMr total e parcial tiveram diagnóstico original de hanseníase na forma virchowiana. A investigação das manifestações ósseas rinomaxilofaciais da hanseníase revelou que as diferenças nas alterações ósseas entre os três grupos foram determinadas principalmente por: (i)
reabsorção/atrofia grave, mais frequente no Grupo 1, com o processo alveolar anterior da maxila mostrando reabsorção/atrofia grave em 50% dos participantes, porcentagem que ficou em 29% no Grupo 2 e em 11% nos controles; (ii) ossos nasais e abertura nasal com reabsorção/atrofia grave em 31% no Grupo 1, estando ausente no Grupo 2, e, no Grupo 3, 2,7% (osso nasal) e 5,4% (abertura nasal); (iii) alterações graves ou leves a moderadas do septo nasal em 25% dos casos do Grupo 1 em comparação com 4,7% dos participantes do Grupo 2 e 2,7% no Grupo 3. O escore de alteração óssea rinomaxilofacial foi maior entre os participantes com mais de 35 anos
de diagnóstico (Grupo 1, mediana 7, IIQ 5,5-10,5) em comparação com aqueles com menos de 15 anos de diagnóstico (Grupo 2, mediana 5, IIQ 3-7) e com os participantes sem hanseníase (Grupo 3, mediana 5, IIQ 2-7). Esses achados são consistentes com o fato de que a maioria dos casos do Grupo 1 foi diagnosticada e teve tratamento iniciado na era pré-poliquimioterapia (PQT), tendo decorrido longo tempo desde então, o que permitiu maior progressão da doença, apesar de, posteriormente, alguns terem recebido a PQT. Com relação aos dados odontológicos, não houve diferenças entre os participantes dos Grupos 1 e 2, mas os controles tiveram menos perda dentária(número médio de dentes superiores ausentes 12, IIQ 4-16, p = 0,008) em comparação com participantes com história de hanseníase (Grupos 1 e 2 combinados,
mediana 16, IIQ 14-16). Os casos (Grupos 1 e 2) apresentaram escores
otorrinolaringológicos e oroscópicos semelhantes. No Grupo 2, houve forte correlação positiva entre os três escores (rinomaxilofacial, otorrinolaringológico e oroscópico), com coeficientes de correlação de Pearson ≥ 0,6 (todos p ≤ 0,004). A forte correlação entre os escores otorrinolaringológico e alteração óssea rinomaxilofacial observada no Grupo 2 indica que o primeiro escore pode ser proxy clínica útil para a alteração óssea mencionada. Conclusão: por meio deste estudo, foi possível fazer a correlação entre as alterações ósseas tomográficas e aquelas verificadas nos crânios nos estudos osteoarqueológicos sobre hanseníase, adaptando os critérios paleopatológicos da SRM para a prática clínica. Também foi possível caracterizar as mudanças do perfil facial correspondentes ao comprometimento ósseo subjacente. Os resultados descritos fornecem mais evidências de que o manejo do paciente com
hanseníase deve incluir avaliação otorrinolaringológica completa, apoiada por exame de imagem quando necessário. Os achados também sinalizam que a saúde bucal e dentária em pessoas acometidas por essa doença não deve ser negligenciada, constituindo-se parte da avaliação e do cuidado básico. Tais medidas são de baixo custo e potencialmente preventivas para evitar a progressão de alterações ósseas rinomaxilofaciais. Devem, portanto, ser incorporadas às diretrizes clínicas para pacientes que se apresentam como casos novos de haseníase, em tratamento ou acompanhamento.